segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A responsabilidade de imprensa


Em uma democracia, o direito de se dizer aquilo que se pensa é, talvez, um dos mais reivindicados. Por mais que a grande maioria das pessoas desconheça grande parte de seus direitos básicos, ou não presta o devido cuidado quando estes são desrespeitados, o direito de se expressar livremente é sempre lembrado. Creio que, para analisar se um país é democrático, vemos primeiro o direito de voto e, depois, se há liberdade de expressão.           Por que isso? Há tantos outros direitos que protegem nossa integridade física, por exemplo, que são muito menos clamados. Não estou dizendo que o direito a dizer o que se pensa é menos importante que outro direito (minha cabeça já estaria numa estaca se não fosse por ele). O que quero dizer é que sociedade menos complexas tutelavam direitos de integridade e nós passamos por cima deles muitas vezes em casos de um “bem maior”. Quando um jornal, todavia, não pode citar o nome de um vereador há um grande clamor popular e um debate acerca dos abusos cometidos pelo Estado.
                Repito, por que isso com a censura? Ora,  porque informação dá muito dinheiro e, não apenas dinheiro, mas poder. Sem qualquer tipo de restrição, então, os lucros e o poder são exorbitantes. Assim, em estados com liberdade de expressão, toda restrição resulta, em realidade, em lucros menores para aqueles que vendem informação. Um caso concreto: quando uma veículo de informação divulga que “4,6 mil homicidas no RS rumam para a impunidade” (Zero Hora, 18/09/2011) na sua capa, a mensagem que temos é que 4,6 mil pessoas condenadas pela justiça não cumprirão sua pena. Ocorre, no entanto, que tal manchete se refere àquelas pessoas acusadas de assassinato que não foram ainda julgadas. Ou seja, a capa de Zero Hora considerou que 4,6 mil pessoas acusadas de homicídio são assassinos (apesar da semelhança das palavras, há um penhasco seperando as duas situações) e, em caso de serem consideradas inocentes isto significará impunidade. Começemos com a primeira acertiva, a redução de lucro: caso o jornal usasse palavras que não firam os direitos de personalidade de alguém, o impacto (que atrai a compra) seria muito reduzido. Apenas imagine: “ Parte dos 4,6 mil acusados de homicídio podem ser inocentados, ainda que alguns sejam culpados”. Ora, este seria o correto, mas as pessoas leriam e não haveria uma notícia, pois adivinhem: pessoas culpadas são inocentadas e pessoas inocentes são condenadas. Não há notícia nisso e, por conseguinte, não há vendas.



E agora chegamos a uma encruzilhada. Qual o motivo de publicar uma notícia que, em realidade, não é novidade e, ainda, se dar o trabalho maquiá-la o suficiente para fazer com que ela aparente ser algo novo? Entra ai, a segunda assertiva, a que se refere ao poder trazido pelos meios de comunicação de massa. O grupo que controla a Zero Hora defende abertamente que as leis devem ser mais rigorosas e que mais pessoas devam ser presas, sendo esta uma maneira de reduzir a violência. Além de ter escrito 3 editorais sobre o tema apenas este ano, o grupo apoia campanhas que cobram maior rigor nas punições daqueles que infrigem a lei. Tal posicionamento, faz com que autoridades ligadas à segurança pública (desde magistrados até membros do legislativos) tomem atitudes para fazer com que o normal, a saber pessoas serem inoncentadas pela justiça, acontença com menor frequência.
                Mas notem que o único problema de todo este sistema é que o jornal tratou pessoas ainda não julgadas, mas apenas acusadas, por homicidas. De resto, tudo esta conforme um estado democrático. Ocorre, contudo, que não pode um jornal partir de um premissa obviamente falsa para atingir seus objetivos. Não pode um jornal ferir a direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, que protege a todos (homicidas ou não), escorando-se no direito à livre expressão. Este direito não é “superior” a qualquer outro e tem limites, assim como os demais. Não há tanta reclamação quando não é permitido que se façam discursos incitando ao ódio, por exemplo.
                É papel do Poder Judiciário prestar tutela àqueles que recorrem a este, quando for o caso. Quando estes se sentem feridos na sua individualidade, o Estado deve analisar o caso e, em havendo aquilo que os juristas chamam de fumaça de bom direito, o juiz deve conceder antecipadamente uma proteção que evite que os direitos deste indivíduo sejam feridos, ainda mais em casos de direitos extrapatrimonais, que não podem ser reparados a contento com meras indenizações em dinheiro. Assim, quando um jornal extrapola o seu direito de livre expressão, ferindo os direitos de personalidade de alguém, não há qualquer tipo de abuso do poder estatal em conter tal abuso. A situação deve ser analisada caso a caso, sendo que o juiz deve ponderar o conflito dos direitos em questão e decidir da maneira mais adequada ao seu parecer.
                Infelizmente, as decisões do judiciário não têm o mesmo poder do que manchetes, fazendo com que estas tenham mais eficácia nas mentes das pessoas do que decisões baseadas naquilo que devia nos ser mais caro que qualquer folha de papel, ou seja, os nossos direitos. Por isso, cabe à imprensa não só fazer proveito do nobre direito de livre expressão, mas ter uma responsabilidade de expressão. A uma porque nosso ordenamento jurídico e seu aplicadores não são detentores de uma verdade universal e também falham, muito. A duas porque muitas vezes estes direitos são violados de maneira tão difusa que é impossível para o poder judiciário conceder uma tutela individual, como o caso dos homicidas que a capa da Zero Hora condenou. Em não tendo esta responsabilidade de imprensa, os meios de comunicação podem, impunimente, ferir direitos tão valiosos quanto aquele que os faz independentes, ricos e poderosos; que não os faz, todavia, mais importantes que qualquer um, como um homicida, por exemplo. Talvez falte a eles entende que uma vida não é destruída apenas com tiros, mas também com palavras.

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