sábado, 21 de janeiro de 2012

O primeiro dia de um Adeus

      Hoje começa o fim. Como um paciente terminal de câncer, o Olímpico Monumental tem data para morrer: dezembro de 2012. Com muito confete, a Arena do Grêmio já é uma realidade: ela será o local que sediará os jogos do Grêmio a partir de 2013, salvo alguma grande excepcionalidade. Não me cabe, portanto, aqui falar sobre a necessidade e os pontos positivos ou negativos da arena; este tempo já passou. Preciso, no entanto, falar sobre o Monumental, local que freqüento semanalmente desde que tinha 05 anos de idade, aproximadamente.
      Não me recordo a data do meu primeiro jogo no Olímpico, não tenho a mais remota idéia. Por muito tempo, me torturava por não lembrar do sagrado primeiro jogo. Nem sequer do meu primeiro GreNal tenho notícias. Só foi lendo, na revista Placar, uma frase do ex-dirigente vascaíno, Eurico Miranda, que me acalmei com relação ao tema. Ele também não se lembrava do seu primeiro jogo no Estádio São Januário. Justificava: “eu me criei aqui dentro, não tem como eu saber a primeira vez que vim”. É isso. Desde antes de eu “me conhecer por gente” eu freqüento jogos no Olímpico. A freqüência veio com os 5 anos, aproximadamente, mas antes já freqüentava os jogos.
      Esse lapso de memória não ocorre, contudo, pras diversas emoções que me fez sentir o Monumental. Para os glory hunters de plantão, não falo apenas de títulos, que existiram, principalmente nos primeiros anos. Falo da emoção diferenciada de cada jogo. A primeira vez que chorei de tristeza, no Grêmio e Olimpia em 2002, quando o Grêmio foi garfado. A sensação de invencibilidade da década de 90, parecia que as almofadas da social (na época os torcedores levantavam as almofadas para apoiar) e as bandeiras das quase extintas Torcidas Organizadas tinham uma energia sem limites. Aquela melancolia ao final de cada jogo, quando ainda se queimavam jornais nas arquibancadas, eram dezenas de fogueiras. Ver a insensatez coletiva de 50 mil pessoas que acreditavam que poderiam levar um time muito inferior a reverter uma desvantagem de 03 gols contra o CABJ. Poderia passar o texto todo falando das tristezas e alegrias que vivi no cimento frio do Olímpico Monumental e o como essas emoções me fizeram quem eu sou hoje. Poderia falar também como minhas ideologias e questões éticas se moldaram ao seu jeito dentro do Olímpico. Mas acho que isso seria muito egocêntrico, pois quero falar mesmo é do Monumental.
      Me assusto com a maneira que a idéia do desenvolvimentismo afetou os amantes do futebol. Primeiro, na Inglaterra, os templos caíram e as Arenas tornaram o campeonato mais caro do mundo em algo frígido, das contidas elites inglesas. A coisa se espalhou pela Europa Ocidental e chegou ao Brasil com a copa de 2014. O Maracanã é apenas uma fachada, o Palestra Itália não é mais sombra da sua história. Talvez isso seja necessário, não vou entrar na questão, como já falei acima. Ocorre, no entanto, que as pessoas esqueceram completamente de todos os momentos que viveram nestes verdadeiros templos do futebol. Assim como não se faz um bom samba sem tristeza (Samba da Benção), não se muda de "casa" sem agradecer à ultima. E ninguém fez isso até agora, nada se discute, são apenas confetes, como falei.  
      Não sou engenheiro para dizer que o tempo do Olímpico já passou. Sou gremista e me importo com a história que nos trouxe o Monumental. Me preocupa também o futuro da torcida do Grêmio, em um local que aqueles que consomem pouco não são bem-vindos. Não creio que serei capaz de viver as mesmas emoções na nova sede do Grêmio, não com a mesma intensidade. Quero muito estar enganado. Até que se prove o contrário, para mim, a Casa do Grêmio sempre será o Olímpico Monumental da Azenha, Largo dos Campeões Nº 1. Que teus últimos dias sejam tão memoráveis quanto os outros.



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Não é pra ser bom nem ruim, é pra ser do jeito que é.

Historieta do porto-alegrense crítico
Pra começar
Por que esse pia age tão diferente? Diz não pra tudo, vai entender. Nem presente de Natal ele quer. Essa atitude deslocada tem que ter um empurrão pra começar. Ninguém nasce fora do eixo, com as peças tortas por acaso. Uns polacos morrem pros paladinos da liberdade irem caçar o monstro assassino. Assim gira o mundo. Nada se cria, todo se transforma. Mas me diz o que fez dele assim, louco de pedra? Mãe que leva filho em parque pra banderiar por partido comunista com bandeira vermelha merece perder a guarda. Foi ver o velho barbudo que falava engraçado pra multidão chorosa e não entendeu direito. Ficou o espírito. Nada santo esse espírito. Não concorda com nada. Ai foi pra sessão de proibidos da biblioteca, leu gente que sonhava e panfletiava. Já na época da internet, vivia época que a bomba atômica ia explodir e escolhia o lado perdedor depois da derrota. Era tudo um sonho, era tudo espírito. Foi ai que a coisa começou. Alguém tem que matar o Francisco Ferdinando pra guerra explodir. Alguém tem que acordar o humano da mecanização.
Críticas
Não é fácil dirigir na contramão, tem sempre o cara que tá certo querendo bater em ti. O pia apanhou afu. A cada soco um amadurecimento. Derrubou seu próprio muro e entendeu que seus heróis do pôster podiam ter um olhar sereno e meia dúzia de musicas bonitas, mas a coisa era mais compleja que parecia. Com tanta crítica, aprendeu que errava pra caralho e que o debate era a melhor maneira de semear idéias novas. Não era sempre certo. Isso nem existia. Existem ângulos, quando dois batem forma outro. Bateu tanto que saiu outro.
Faz o teu
Qualé que é desse rapaz (deixou de ser pia)? Não cuida do nariz dele direito, mas tem sempre tempo pro outros. Assim não vai rolar ter futuro. Vai cuidar tanto dos oprimidos que vai virar um deles. Isso dai a nossa cultura não aceita. Tu pode esperniar, mas dedicar teu tempo (=dinheiro) com isso é demais. Não vai ser feliz. Não vai seguir uma carreira ordinariamente bem paga. Não vai dedicar teu tempo pra que o tio patinhas tenha cada vez mais moeda pra nadar? Melhor começar a fazer o teu, porque se não ninguém vai fazer...
Explodiu
Chegou de tudo que é canto a mensagem que tinha gente como ele. Era tanto amor. Era tanta distância. Tanto mar. Aqui a coisa ainda tava feia e ele tava fora da rota. Muito cedo pra se entregar, pensou. Mas a poltrona da sala é confortável, ponderava.
Pensou tanto que explodiu.v 

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

As ruas de um porto não muito alegre


   Há muito tempo que ando, nas ruas de um porto não muito alegre, diz a música de Elaine Geisser. A música é antiga e é considerada como um hino para a capital. Quem não imagina o ex-prefeito (eleito para o mandato atualmente exercido por Fortunatti) Fogaça cantando ela nos seus tempos mais esquerdistas que o pragmatismo atual, pauta do PMDB e do seu aliado mais populista, o PDT.
   Em que pese o espírito musical do nosso ex-prefeito e a paixão do atual por Porto Alegre com dezenas de campanhas para o cidadão curtir a cidade, a atual gestão vem criando uma espécie de toque de recolher recorrente. Seguindo aquilo que foi feito com a Goethe, a atual gestão, juntamente com a Brigada Militar, vem impondo aos amantes da noite (vistos com maus olhos pelos cidadãos de bem­) uma expulsão das ruas da capital no período da madrugada.
   Primeiramente, esta expulsão começou com a repressão na Av. Independência com o policiamento ostensivo da Brigada Militar (para aqueles que não sabem, o policiamento ostensivo tem como fundamento repreender algum tipo de atividade em determinado local, no caso, a própria ocupação das ruas por jovens, velhos, pobres, ricos). Fechada a conhecida “sinuca” da independência e fazendo rondas no Bambus, as coisas na Independência estão mais calmas. O motivo, contudo, não é porque se descobriu que os jovens não estavam fazendo, em realidade, nada demais. O problema é que a Zero Hora, que não pauta apenas outros veículos de imprensa, mas também os atos de nossos gestores administrativos, resolveu fazer uma denúncia tenebrosa. Segue parte:
Ao entardecer, jovens migram em bandos desde o Parque da Redenção, ponto de encontro, até a Lima e Silva. Famílias se trancam em casa, donos de bares e restaurantes fecham as portas. (04/04/11, ZH)
  Notem a força lingüística deste pequeno trecho, tratando grupos de jovens como bandos (não lembra as hordas de bárbaros prestes a invadir Roma?). As pobres famílias têm que se trancar em casa. O comércio fecha as portas. Agora me recordo das cenas de faroeste quando o bando do mal invade a cidade e as cenas começam com as caras de pavor da população fechando tudo, amedrontados.  Pois bem, assim foram descritos os jovens que ocupam a Rua da Lima e Silva. Por certo, alguns exageros podem ser cometidos. Pergunto: essa é abordagem correta do problema?
  Muitos podem apenas dizer que isso foi mais uma reportagem tendenciosa da ZH, o que ocorre todos os dias. Problema é que a administração da cidade resolveu tomar ao pé da letra muitas coisas que foram ditas ali e transformou a Cidade Baixa na prioridade número um. Objetivo “bem moçizar” o bairro. Basta de bebedeiras! Basta de badernas! 
  Para tanto, fizeram intensas fiscalizações com dezenas de carros da Smic, blitz da Brigada (policiamento ostensivo strikes back) e da EPTC (quer algo que afaste mais motorista que a EPTC?). Várias dezenas de bares foram fechadas. Os que não foram, estão submetidas a regras de enclausurar os clientes a partir das 23:30  (de qualquer dia). A partir desse horário, portas fechadas. Ninguém entra e, quem sair, não volta. Esqueceu, nosso prefeito, todavia, alguns pontos antes de começar esta guerra:
1.       Não querendo soar meio Ackimin, mas não custa lembrar ao prefeito que vivemos em uma democracia pluralista. Não apenas de pessoas decentes que assistem à Zorra Total e vão dormir para não perder o Auto-Esporte é constituída uma sociedade. Por mais que estes fossem uma maioria, não apenas de políticas para estes se pauta uma administração. Há uma imensa parcela da população que demanda viver a noite. Aproveitar dos seus prazeres inumeramente recordados por poetas e músicos. Toda cidade necessita de um local com bares e locais para diversão, isso se chama qualidade de vida além da idéia de apenas trabalho diário. É como uma cidade sem parques (vide guias de turismo e suas especificações). A Cidade Baixa era o local mais democrático para a noite porto alegrense: cervejas baratas ou caras, rock ou pagode, Xis ou Pizza. Lá, a população vivia a noite (sem muitas preocupações diante do intenso movimento) e a aproveitava celebrando a diferença. Nos parece que essa diferença hoje foi esquecida pela atual gestão. Obrigar os cidadãos a voltarem para suas casas às 23 30 porque outros querem dormir não faz sentido algum, pois estes podem querer dormir até mais tarde e os que dormem cedinho os acordam: assim é a vida em sociedade.
2.      Por obvio, locais de comércio e serviço devem estar regularizados junto à prefeitura para funcionar (seria um contra-senso da minha parte invocar a idéia de democracia apenas para um lado). Por isso, bares que não estavam devidamente regularizados deveriam fazê-lo. Ocorre, no entanto, que faltou razoabilidade por parte da prefeitura ao fechar bares e multá-los de maneira surpreendente, sem qualquer tipo de campanha para regularização. Diriam os defensores da medida que a prefeitura só cumpriu a lei. Suponhamos correta tal afirmativa. Cabe perguntar, contudo, se havia uma expectativa razoável que isto ocorresse? O problema era claro a todos havia mais de década e o poder público consentiu tacitamente com a situação, ou seja, não fez nada.  E, de uma hora pra outra, a Smic bate na porta do Boteco do Zé e fecha a porra toda. Isso tá correto? Imagina a Polícia voltasse a prender quem fosse desempregado e quem não estuda pelo crime de vagabundagem? Acharias isso comum? Pois bem, isso ainda é crime no Brasil. Claro que uma tipificação penal se difere muito de uma sanção meramente administrativa. O que tentei mostrar é a necessidade de ter se aplicado a razoabilidade no caso em questão, diante da clara expectativa razoável que tinham os donos de bares de que a sua situação era aceita pelo Poder Público. Olhe o exemplo do camelódromo: este foi construído em um período de tempo regular e todos aqueles que comerciavam informalmente na praça XV sabiam que, mais cedo ou mais tarde, seriam retirados do local, ainda que muitos anos ali presentes. Não ocorreu, contudo, uma retirada de todas as barracas na calada da noite de uma hora para outra.
3.      Mas e o direito dos moradores? Como ficam os coitados que tem conviver com tamanha baderna. Primeiro, cabe dizer que aqui ocorreu mais um caso de exagero. A maioria dos bares fechados não causava transtorno algum para os moradores, já que possuíam musica ambiente em volume baixo ou possuíam mesinhas na calçada onde as pessoas bebiam e fumava tranquilamente (desafio alguém a não se apaixonar por uma cidade com mesinhas na calçada, ainda mais postadas em uma rua como a Republica). Superada a idéia de baderna geral que foi feita da Cidade Baixa, podemos pular para outros pontos. Há mais de década a Cidade Baixa era considerada o reduto dos boêmios da cidade. A Rua João Alfredo foi, inclusive, reformada recentemente por este motivo por uma marca de tintas. De fato, existem moradores mais antigos que bares no local. Mas, gostaria de lembrar, que muitos deles já foram substituídos por estudantes ávidos por morar no bairro. Foi justamente essa fama que fez a Cidade Baixa ter um incrível aumento no preço de seus imóveis (na venda e no aluguel). Para constatar tal fato, basta uma breve pesquisa em sites de imobiliárias, fazendo uma comparação entre a Cidade Baixa e o bairro Santana (igualmente distantes do Centro) para que se constate a supervalorazição do primeiro em relação ao segundo. Por isso, digo que as famílias não estão presas dentro de casa. A uma porque não há o que temer. A duas porque elas podem simplesmente se mudar, diante da valorização do seu imóvel por algo que eles odeiam e outros amam. Um bairro é assim: com defeitos e com qualidades. E tudo isso muda ao longo dos anos. O Bom Fim já foi um bairro só de judeus. Hoje é um bairro de estudantes e judeus de mais idade. A Av. Carlos Gomes já foi só de mansões, hoje é dominadas de altos prédios. Ou nos adaptamos ou nos mudamos. A Cidade Baixa representou por muitos anos um local de celebração, de aproveitar a vida, de conhecer gente nova. Mudar tudo isso, na marra, não é a coisa mais sensata a se fazer.

Muito provável que, aqueles que não convenci, ainda crêem no exagero de alguns como principal argumento para tudo que aconteceu na Cidade Baixa ao longo das últimas semanas. Triste pensar que algumas pessoas ainda crêem que medidas repressivas e destruidoras sejam a melhor maneira de resolver problemas pontuais, tendo em vista que a maioria dos freqüentadores do bairro eram apenas aproveitadores da noite. Tais medidas trouxeram um clima ruim, de fim de festa para o bairro, fazendo com que os que andam nas ruas se sintam com medo pelo baixo movimento. E, ao contrário do que se esperava, não há mais famílias nas ruas do bairro ultimamente.


Por fim, cabe recordar que nem todos aproveitam a cidade de maneira igual. Nem todos gostam de ficar em casa aos sábados. Nem todos gostam ou tem dinheiro para freqüentar a badalada calçada da fama. É por isso que existem lugares democráticos como a Cidade Baixa. Para pessoas que gostam de curtir a cidade de uma maneira diferente, ocupando suas ruas, celebrando. Afinal, alguém imaginaria Sinatra celebrando uma cidade que ém imaginaria Sinatra celebrando uma cidade que always sleeps?

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Foram, então, retirados os estudantes da Universidade de São Paulo que ocupavam a reitoria da mesma. Como se fossem ir contra uma rebelião de presídio, ou um sequestro, a polícia se posicionou (400 homens estavam na operação, onde  a polícia cortou a energia elétrica. Em nota, os presos e drogados (assim estão sendo tratados os estudantes) relataram que estudantes foram agredidos e levados para salas escuras, onde gritavam por 30 minutos. Em resposta o major da PM que coordenou a operação falou que este “era o procedimento normal da PM de SP”. A grande mídia (e, por incrível que pareça, a Globo não lidera o discurso) fala em reestabelcimento da ordem e que a ordem é o verdadeiro bem comum (esse é o antigo discurso de Augusto Comte, grande amigo da democracia). Misturam-se, assim, três argumentos:  
1)      O primeiro é a justificativa inicial para toda a confusão: o campus da Universidade de São Paulo deve ser protegido pela polícia, diante da ineficácia de outros meios, no intuito de proteger os estudantes da ameaça de bandidos. Ocorre que, sob a idéia de criar uma sensação de segurança, outros direitos são totalmente ignorados. Cria-se uma falsa sensação de absurda insegurança (através da mídia, pautada por casos pontuais) e medidas extremistas são adotadas. Stanley Cohen definiu isso como um pânico moral. Ai, desta idéia, o genial Howard Becker diz que se cria uma "cruzada moral" em torno de um tema (segurança no campus), sem que se pense em fatores justos ou DEMOCRÁTICOS (soa familiar?). No caso da USP, nota-se que a mídia faz um pânico moral, como se andar dentro do campus é o mesmo que ir para um campo de batalha da 1ª guerra e apenas a Polícia resolverá a questão (detalhe: não se fala em outras áreas de atuação da polícia que a segurança inexiste). A idéia de insegurança é tão grande que quem vai de encontro a essa ideia só pode ser criminoso (ladrão, drogado). Problema é que não se fala que a Polícia traz repressão (na cidade baixa em que pessoas tomam cerveja na rua durante a madrugada puseram a polícia para revistar e afastar pessoas, usaram a desculpa dos drogados também). Na Universidade, contudo, as consequências desta repressão são muito maiores. A universidade é autonôma e lugar para criar, criticar, mudar. Pra combater ainda mais o preconceito, vou tratar todos os estudantes como maconheiros: se todos fumassem maconha, invoco a idéia de Durkein que, certas vezes, o “crime” faz um bem para a sociedade, que revê a necessidade de penalizar esta conduta e é na universidade que isso se cria (aposto que o pessoal “da sala de jantar” (MUTANTES, 1968) ficou mordido com essa. Só para lembrar que foram vocês praticando o adultério e o tornando comum que este foi descriminalizado e a Tia Carmem manda lembranças). Assim, a polícia no campus é um câncer pra diversidade da Universidade, uma amputação da autonomia universitária e um meio de conter a fomentação das novas idéias. Primeiro erro do reitor: ir pelo caminho mais danoso à Universidade e mais político possível. A polícia não foi treinada, nem é capaz de lidar
2)      O segundo argumento pró-desocupação é o da manuntenção da ordem. A suposta da desordem viria da falta de polícia (imaginem a anarquia – usada aqui na maneira pejorativa e errada da palavra – que era o campus da USP antes da polícia) antes da atitude do reitor de inserir um batalhão ali. Depois a ocupação da reitoria por si só seria uma quebra da ordem pública (palavras do comandante da Unidade da USP) e da grande mídia. Ora, prezados defensores da ordem: definam-na. Sem uma definição, muito difícil sustentar. Bom, pode ser que vocês saim pela tangente da mais citada da internet, a Clarice Lispector, que disse que a liberdade é aquilo que todos sabem e que ninguém sabe definir. Buenas, fazendo mão do clichê de ordem que adota a maioria dos seus defensores, que é uma visão patria, fámilia e propriedade da coisa, desde já informo: ao por a ordem acima de tudo, amigo, você esquece a democracia. Esta, tampouco a sociedade, não é fundada na ordem, como o amigo pensa, mas sim na liberdade. Uma Constituição serve para restringir poderes estatais, garantir liberdades individuais. Não peço a desordem absoluta, para que não venham com discursos chatos de “vamos voltar para os tempos das cavernas”, mas se tudo for proibido em nome da ordem, a estagnação é o resultado e a mudança é zero. A ordem é inimiga do diálogo e da diferença, a ordem quer o igual. A ordem quer uma sociedade forte unida em prol de uma só idéia, pois muitas idéias são iguais à desordem. A ordem é inimiga da liberdade. Todos os protestos são contra a ordem, pois eles querem quebra-la, nos acordar de um sono, de um marasmo que é o status quo. Se, no local do nascimento da mudança, a ordem não pode ser quebrada e decisões arbitárias não podem ser discutidas e revistas, não são os estudantes os inimigos da democracia (como disse Geraldo Alckimin, com seu tradicional discurso repressor já visto em todos os outros protestos de São Paulo que resultaram em violência), mas sim o reitor que permitiu, a polícia e toda a mídia que prefere ignorar o debate e apenas condena os estudantes. O resultado da ocupação da reitoria foram algumas cadeiras quebradas, demais salas: INTACTAS. Ora, se ideias valem menos que uma cadeira, queimem todos os livros de uma vez e façam mais eletrônicos para que possamos consumir.
3)      Por fim, o último argumento é de que a coisa toda seria conduzida por pessoas que são ligadas a movimentos de extrema esquerda e que só querem fumar maconha dentro do campus, visto que o movimento começou com a prisão de dois alunos por porte da droga. Primeira coisa; Boris Casoi, Mainardi, etc: O MURO DE BERLIM JÁ CAIU, A LUTA CONTRA O COMUNISMO ACABOU. Depois, agora há pouco DOIS MIL ESTUDANTES, em assémbleia geral, decidiram por fazer greve geral em contrariedade à posição adotada pelo reitor. Ora, o campus da USP deve ser uma neblina só, não é? Ademais, negar qualquer reivindicação a prioristicamente pela posição política da pessoa é a coisa mais sem noção que pode existir. Por mais uma vez, aqueles contrários ao movimento vão contra o próprio discurso de democracia, que está cada vez mais vazio. Por esse argumento ser tão Guerra Fria e sem sentido, não creio que mais comentários acerca deste precisem ser feitos. 




Finalmente, creio que a invasão da USP nos mostra algumas coisas que não são faladas, por colocarem a segurança num nível acima do debate. As reitorias, ainda que formadas por acadêmicos, são tão contra o movimento estudantil como qualquer outro governador. Vimos isso na UFRGS em diversas vezes, na PUC e agora na USP. A mídia segue tratando o movimento estudantil com desdém e como “bando de maconheiros”. A democracia não vale nada perto de “bens comuns” e da “ordem publica”, meros instrumentos de continuação de poder. Assim, faltou cérebro na melhor universidade da américa latina na hora de resolver a questão. Faltou e está faltando dialogo. O reitor representa a todos: funcionários, professores e alunos. A maioria é a favor da polícia no campus? Não importa, se uma minoria tiver seus direitos violados sem que se pense numa solução melhor.

domingo, 16 de outubro de 2011

Uma noite pra ser pensada


A noite era tranquila na Cidade Baixa. Apesar do vento fraco, o clima era agradável. Após um dia de mobilização mundial na luta pela democracia, por um mundo mais humano, grupos de manifestantes portoalegrenses se juntaram no largo da Epatur (largo Zumbi dos Palmares) para celebrar. As luzes se apagaram. Então, começa uma briga generalizada entre dois grupos: os que estavam no largo e supostos skinheads ligados à extrema direita (não raro a imprensa brasileira se esquece de mencionar que o movimento skinghead tem diversas vertentes, sendo composto, inclusive, de anarquistas). A coisa foi feia: cadeiras quebradas, garrafas no chão, gente esfaqueada (grupo de skinheads) e outro levado ao hospital. Triste notícia. Não apenas triste, mas muito preocupante. Somente em Porto Alegre, é o terceiro caso de violência envolvendo pessoas supostamente ligadas ao ideal fascista do começo do século XX. 
                                  (Sede do movimento Utopia e Luta pixada por extremistas)
Mais tarde no mesmo local, a polícia foi chamada. Integrantes dos dois grupos continuavam no local. A quem diga que a saudação nazista foi feita em frente à polícia. Havia uma repórter da rádio Guaiba no local e outro da TVE. Os dois feridos no hospital seriam investigados, de acordo com os policiais (havia cerca de 15). Um casal de homossexuais foi detido sob a acusação de um deles ter esfaqueado um do grupo dos skinheads. Ambos estavam de bicicleta e não havia qualquer sinal de que havia sido eles. Há de se destaca que a atitute de um (apenas um) dos policiais foi exemplar na detenção, lidando com a situação de maneira calma. Os outros, contudo, demonstaram agressividade em pessoas que estavam assustadas por terem que entrar em uma viatura e já puxavam suas armas “não-letais”, sendo a situação controlada pelo primeiro policial. Depois, a coisa se acalmou, as pessoas foram pra praça da Matriz celebrar a diferença e o grupo de supostos skinheads foi embora.
O que me deixou preocupado (sonhei com o assunto) é como isso vem se desenvolvendo no nosso país (ataques na Paulista, parques do Rio de Janeiro e na Cidade Baixa) de maneira exponencial e o porquê desse crescimento de ódio. Na Europa, esses movimentos cresceram em épocas de crise, em que a população aceitou o discurso de ódio, tentando achar culpados. Não é o caso do Brasil, contudo. Em realidade, o país está em um momento de crescimento econômico (ainda que reduzido), em detrimendo de uma grande crise em países de grande expressão no cenário mundial.
O que leva, então, no Brasil, ao surgimento de grupos fascistas? É a generalização do discurso do ódio para solucionar problemas (tem que matar esses vagabundos), é a utilização do humor para ridicularizar a diferença. Levadas ao extremo, chegamos a atitudes extremistas. O fascista vê, que a causa de problemas como a corrupção e a violência, é a diferença. Ele é o detentor de uma verdade e esta verdade deve ser universal. Segundo Moyses Pinto Neto, “O fascista simplesmente tem um desejo de aniquilação da diferença, ele busca a igualdade plena, a uniformização completa, serialização e produção contínua de iguais.”
Casos como o de ontem são uma extensão daquilo que muitos consideram bobagem repudiar. É o reflexo daquele discurso que bota nos nordestinos a culpa pela corrupção, nos gays pela destruição de valores familiares ou até mesmo pelo que está passando na televisão. É aquele apresentador de TV que prega a violência policial. Tudo isso gera uma situação de bárbarie e aceitação da bárbarie e estes grupos são apenas um reflexo do discurso de ódio criado por pessoas que se dizem democráticas e não veem sua opinião fascista.
Não sou sociólogo para afirmar tudo isso com uma fundamentação científica apurada. É apenas uma visão, que me faz ver todo o discurso que tenha um minímo de preconceito com aversão, e ser considerado chato por isso. Sei que todos temos preconceitos, externaliza-los e propaga-los é que o problema.
Por fim, me resta torcer para que um local tão sensacional como a Cidade Baixa, em que pessoas de todas as classes sociais e grupos convivem tão bem, ocupando o espaço público ao seu jeito e de maneira tranquila não se torne, novamente, local de bárbarie como a de ontem.

domingo, 25 de setembro de 2011

Law & Order


Sou estudante de Direito. Quando entrei na faculdade, meus amigos que viram minha veia mais radical saltar e se desenvolver a ponto de achar o comunismo uma mera transmissão de poder gritaram: “TU TÁ É LOUCO!”. Diziam que meu cérebro seria sugado no curso, que eu viraria um burocrata chato. Os mais radicais diziam, ainda, que eu seria um operador da manuntenção do poder da elite burguesa (nessas palavras).
                Ignorei meus amigos. Entrei na faculdade mais conservadora da UFRGS. Lá dentro, tive aula com mestres do saber da Opus Dei. Mas não foi dos professores que colhi os melhores ensinamentos, mas sim dos meus colegas. Por dezenas de vezes buscava qual o fim do Direito numa sociedade complexa (meus amigos me proíbem de usar a palavra desenvolvida para adjetivar sociedades) como a nossa. Após tudo que foi conquistado em períodos de intensa movimentação populares, desde revoluções burguesas do séc. XVIII, passando por primavera dos povos e indo até maio 68, entendo que a finalidade do Direito nada mais é que a restrição às arbitrariedades do poder (estatal ou não). Não é um simples jogo de cara ou coroa em que um homem sapiente de tudo (“o juiz conhece o direito”) decide quem está com a razão. É um complexo sistema que deveria ser utilizado para impor limites para quem nunca conheceu esta palavra, devido ao grande poder acumulado. De defender aqueles que tem parco conhecimento do seus direitos.
                Ocorre, no entanto, que o Direito, em diversos âmbitos, não vem sido utilizado desta maneira. Meus amigos radicais não estavam de todo errados. O Direito é sim utilizado por aqueles detentores do poder para acumular ainda mais poder ou simplesmente para impor suas vontades bestas.
                Peguemos o exemplo em que a ferida é mais exposta: o Direito Penal. Para justificar a criminalização de uma conduta, foi inventado uma pequena aberratio (juridiques mode: off): o bem jurídico. A importância dessa definição é ímpar no direito: sem ela, não existe o porquê de algo ser crime. Bom, algo é crime quando ofende a um bem jurídico. Acontece, todavia, que bem jurídico é uma invenção de mentes juristas. Sem saber explicar exatamente o que é bem jurídico eles exemplificam: vida, propriedade...
                Até ai, não tivemos, contudo, nenhum problema quanto ao problema do abuso do poder. Correto? Errado. Sem que exista uma definição correta do que é bem jurídico, qualquer coisa pode ser um bem jurídico que necessita que a “última ratio” do Direito Penal ponha suas mãos sujas de sangue. Com a palavra, um autor renomado: 

"(...) não existem fenômenos criminosos, mas apenas uma interpretação criminalizante dos fenômenos; logo, não existem fenômenos típicos, antijurídicos ou culpáveis, mas somente uma interpretação tipificante, antijuridicizante e culpabilizante dos fenômenos." (Paulo Queiroz, A propósito do conceito definitorial de crime In Boletim IBCCRIM, São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 224, p. 15, jul., 2011)
            Assim, qualquer ação humana pode ser considerada crime, se aprovada pelo legislativo (poder). Por isso, que postar músicas na internet pode dar cadeia. Por isso que a polícia pode fazer atraque em que atrapalhar a venda da rede de supermercados por causa de uma aglomeração urbana (Porto Alegre, Rua Lima e Silva, domingos). Por isso que a polícia proíbe uma bandeira no estádio (Estádio Olímpico do Grêmio ou estado de São Paulo).
                A “última ratio” que o Direito penal vem buscando, na verdade, é fazer com que os cidadão sejam tão atados a uma estrutura ordenada de vida (ônibus lotado/trabalhar/comprar/TV/dormir) que seja impossível qualquer tipo de mudança do poder. E qualquer ameça a esta estrutura ordenada é considerada uma ameaça a um bem jurídico qualquer e, logo, há uma proíbição. Exemplos? São muitos. Trago dois.
                O primeiro é dentro do meu campinho: Futebol. O que querem os poderosos com o futebol e com o torcedor? Qual a estrutura ordenada almejada por eles? Que consumam o esporte na mídia, nos grandes materiais esportivos e que paguem caro por ingressos. É isso. Analisem a diferença de um estádio de futebol na década de 90 e hoje. A ordem é a lei onde a regra ali deveria ser o extravaso, a emoção, tudo ou nada, pois o futebol é a representação da vida. O  primeiro bem jurídico que inventaram foi a segurança dos torcedores. Os 90 mil (Grêmio x Ponte Preta, semi-final do brasileirão de 96) que cabiam no Olímpico viraram 45 mil. Acho aceitável essa medida. As coisas começaram a se complicar quando começaram a defender o conforto de quem não pediu conforto: acabaram com a geral do Maraca, com a Coréia do Beira-Rio (invejava mais que o Leandro Damião)... Depois, chegaram as câmeras. The Big Brother is present, baby. Por fim, nos levaram o álcool. Por quê? Qual o bem jurídico que está por trás disso? Alcool é legalizado em qualquer lugar, menos futebol. E, de novo, temos a ordem (dos coitados, né, porque no camarote dos poderosos temos uísque de barbada). A baboseira da segurança (nenhuma destas medidas combate à violência nos estádios, porque não buscam a raiz desta, que é polícia x torcida, em sua maioria dos casos) não se sustenta. O que querem, em realidade, é que ocorra (já ocorreu) uma elitização do futebol. Ingressos mais caros, maior consumo, mais pay per view vendido, é isso. Quando tu tira das camadas mais baixas o direito de ir ao estádio e passa para classes de maior poder aquisitivo, o consumo aumenta, pois o estádio apaixona qualquer ser humano, até mesmo os apaixonados pela ordem máxima. Quanto maior a ordem, mais elitista o esporte (tênis, golfe...). E, assim, os poderosos usaram o Direito para, em nome da segurança, mas com outros fins, buscar uma maior acumulação de poder através do consumo (que está dentro daquela estrutura ordenada de vida a ser seguida pelo “homem médio” numa democracia)
                O Direito também age como repressão daqueles que contestam este poder instituído. Um protesto aceito é aquele que não tem representatividade. Quando este tem repercurssão, a repressão (autorizada pelo Direito) começa. O exemplo mais patético que achei ocorreu em Nova York. Pessoas decidiram ocupar Wall Street para protestar contra o sistema econômico falido. A polícia nova iorquina prendeu pessoas, pois há uma lei de 1845 (!!!!!!!!!!!!!!!) que proíbe a utilização de máscaras por multidões. Gostaria de saber o bem jurídico defendido aqui. Não há teoria penal que justifique tal absurdo. De tão absurdo, os Simpsons (que retrata a realidade de maneira exagerada) tem um episódio que ocorre algo parecido: pena de arremesso por catapulta para quem vende álcool. No episódio, contudo, os cidadãos se deram conta do absurdo da lei e rechaçaram a punição. A realidade é pior. Isso é aceito.
                Portanto, quando a democracia falha dessa maneira, a culpa é sim do Direito e do modo com que ele é usado. Por isso, a orientação daquilo que deveria ser crime (se é que alguma conduta é merecedoura de punição estatal tão violenta) não estar apenas na doutrina, mas na legislação. Não sou grande amante das formalidades, mas creio que esta é a melhor maneira de garantir que a abusividade em nome da ordem seja cometida. Por exemplo: a polícia não tem qualquer tipo de restrição nas suas ações autoritária, que não o abstrato conceito de “abuso de autoridade”. O Direito não precisa ser de todo odiado, mas ele deve buscar seus verdadeiros fins, pois quando isto não é feito, não está se fazendo Direito, mas sim uma aberração inventada por poderosos.


segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A responsabilidade de imprensa


Em uma democracia, o direito de se dizer aquilo que se pensa é, talvez, um dos mais reivindicados. Por mais que a grande maioria das pessoas desconheça grande parte de seus direitos básicos, ou não presta o devido cuidado quando estes são desrespeitados, o direito de se expressar livremente é sempre lembrado. Creio que, para analisar se um país é democrático, vemos primeiro o direito de voto e, depois, se há liberdade de expressão.           Por que isso? Há tantos outros direitos que protegem nossa integridade física, por exemplo, que são muito menos clamados. Não estou dizendo que o direito a dizer o que se pensa é menos importante que outro direito (minha cabeça já estaria numa estaca se não fosse por ele). O que quero dizer é que sociedade menos complexas tutelavam direitos de integridade e nós passamos por cima deles muitas vezes em casos de um “bem maior”. Quando um jornal, todavia, não pode citar o nome de um vereador há um grande clamor popular e um debate acerca dos abusos cometidos pelo Estado.
                Repito, por que isso com a censura? Ora,  porque informação dá muito dinheiro e, não apenas dinheiro, mas poder. Sem qualquer tipo de restrição, então, os lucros e o poder são exorbitantes. Assim, em estados com liberdade de expressão, toda restrição resulta, em realidade, em lucros menores para aqueles que vendem informação. Um caso concreto: quando uma veículo de informação divulga que “4,6 mil homicidas no RS rumam para a impunidade” (Zero Hora, 18/09/2011) na sua capa, a mensagem que temos é que 4,6 mil pessoas condenadas pela justiça não cumprirão sua pena. Ocorre, no entanto, que tal manchete se refere àquelas pessoas acusadas de assassinato que não foram ainda julgadas. Ou seja, a capa de Zero Hora considerou que 4,6 mil pessoas acusadas de homicídio são assassinos (apesar da semelhança das palavras, há um penhasco seperando as duas situações) e, em caso de serem consideradas inocentes isto significará impunidade. Começemos com a primeira acertiva, a redução de lucro: caso o jornal usasse palavras que não firam os direitos de personalidade de alguém, o impacto (que atrai a compra) seria muito reduzido. Apenas imagine: “ Parte dos 4,6 mil acusados de homicídio podem ser inocentados, ainda que alguns sejam culpados”. Ora, este seria o correto, mas as pessoas leriam e não haveria uma notícia, pois adivinhem: pessoas culpadas são inocentadas e pessoas inocentes são condenadas. Não há notícia nisso e, por conseguinte, não há vendas.



E agora chegamos a uma encruzilhada. Qual o motivo de publicar uma notícia que, em realidade, não é novidade e, ainda, se dar o trabalho maquiá-la o suficiente para fazer com que ela aparente ser algo novo? Entra ai, a segunda assertiva, a que se refere ao poder trazido pelos meios de comunicação de massa. O grupo que controla a Zero Hora defende abertamente que as leis devem ser mais rigorosas e que mais pessoas devam ser presas, sendo esta uma maneira de reduzir a violência. Além de ter escrito 3 editorais sobre o tema apenas este ano, o grupo apoia campanhas que cobram maior rigor nas punições daqueles que infrigem a lei. Tal posicionamento, faz com que autoridades ligadas à segurança pública (desde magistrados até membros do legislativos) tomem atitudes para fazer com que o normal, a saber pessoas serem inoncentadas pela justiça, acontença com menor frequência.
                Mas notem que o único problema de todo este sistema é que o jornal tratou pessoas ainda não julgadas, mas apenas acusadas, por homicidas. De resto, tudo esta conforme um estado democrático. Ocorre, contudo, que não pode um jornal partir de um premissa obviamente falsa para atingir seus objetivos. Não pode um jornal ferir a direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, que protege a todos (homicidas ou não), escorando-se no direito à livre expressão. Este direito não é “superior” a qualquer outro e tem limites, assim como os demais. Não há tanta reclamação quando não é permitido que se façam discursos incitando ao ódio, por exemplo.
                É papel do Poder Judiciário prestar tutela àqueles que recorrem a este, quando for o caso. Quando estes se sentem feridos na sua individualidade, o Estado deve analisar o caso e, em havendo aquilo que os juristas chamam de fumaça de bom direito, o juiz deve conceder antecipadamente uma proteção que evite que os direitos deste indivíduo sejam feridos, ainda mais em casos de direitos extrapatrimonais, que não podem ser reparados a contento com meras indenizações em dinheiro. Assim, quando um jornal extrapola o seu direito de livre expressão, ferindo os direitos de personalidade de alguém, não há qualquer tipo de abuso do poder estatal em conter tal abuso. A situação deve ser analisada caso a caso, sendo que o juiz deve ponderar o conflito dos direitos em questão e decidir da maneira mais adequada ao seu parecer.
                Infelizmente, as decisões do judiciário não têm o mesmo poder do que manchetes, fazendo com que estas tenham mais eficácia nas mentes das pessoas do que decisões baseadas naquilo que devia nos ser mais caro que qualquer folha de papel, ou seja, os nossos direitos. Por isso, cabe à imprensa não só fazer proveito do nobre direito de livre expressão, mas ter uma responsabilidade de expressão. A uma porque nosso ordenamento jurídico e seu aplicadores não são detentores de uma verdade universal e também falham, muito. A duas porque muitas vezes estes direitos são violados de maneira tão difusa que é impossível para o poder judiciário conceder uma tutela individual, como o caso dos homicidas que a capa da Zero Hora condenou. Em não tendo esta responsabilidade de imprensa, os meios de comunicação podem, impunimente, ferir direitos tão valiosos quanto aquele que os faz independentes, ricos e poderosos; que não os faz, todavia, mais importantes que qualquer um, como um homicida, por exemplo. Talvez falte a eles entende que uma vida não é destruída apenas com tiros, mas também com palavras.