domingo, 25 de setembro de 2011

Law & Order


Sou estudante de Direito. Quando entrei na faculdade, meus amigos que viram minha veia mais radical saltar e se desenvolver a ponto de achar o comunismo uma mera transmissão de poder gritaram: “TU TÁ É LOUCO!”. Diziam que meu cérebro seria sugado no curso, que eu viraria um burocrata chato. Os mais radicais diziam, ainda, que eu seria um operador da manuntenção do poder da elite burguesa (nessas palavras).
                Ignorei meus amigos. Entrei na faculdade mais conservadora da UFRGS. Lá dentro, tive aula com mestres do saber da Opus Dei. Mas não foi dos professores que colhi os melhores ensinamentos, mas sim dos meus colegas. Por dezenas de vezes buscava qual o fim do Direito numa sociedade complexa (meus amigos me proíbem de usar a palavra desenvolvida para adjetivar sociedades) como a nossa. Após tudo que foi conquistado em períodos de intensa movimentação populares, desde revoluções burguesas do séc. XVIII, passando por primavera dos povos e indo até maio 68, entendo que a finalidade do Direito nada mais é que a restrição às arbitrariedades do poder (estatal ou não). Não é um simples jogo de cara ou coroa em que um homem sapiente de tudo (“o juiz conhece o direito”) decide quem está com a razão. É um complexo sistema que deveria ser utilizado para impor limites para quem nunca conheceu esta palavra, devido ao grande poder acumulado. De defender aqueles que tem parco conhecimento do seus direitos.
                Ocorre, no entanto, que o Direito, em diversos âmbitos, não vem sido utilizado desta maneira. Meus amigos radicais não estavam de todo errados. O Direito é sim utilizado por aqueles detentores do poder para acumular ainda mais poder ou simplesmente para impor suas vontades bestas.
                Peguemos o exemplo em que a ferida é mais exposta: o Direito Penal. Para justificar a criminalização de uma conduta, foi inventado uma pequena aberratio (juridiques mode: off): o bem jurídico. A importância dessa definição é ímpar no direito: sem ela, não existe o porquê de algo ser crime. Bom, algo é crime quando ofende a um bem jurídico. Acontece, todavia, que bem jurídico é uma invenção de mentes juristas. Sem saber explicar exatamente o que é bem jurídico eles exemplificam: vida, propriedade...
                Até ai, não tivemos, contudo, nenhum problema quanto ao problema do abuso do poder. Correto? Errado. Sem que exista uma definição correta do que é bem jurídico, qualquer coisa pode ser um bem jurídico que necessita que a “última ratio” do Direito Penal ponha suas mãos sujas de sangue. Com a palavra, um autor renomado: 

"(...) não existem fenômenos criminosos, mas apenas uma interpretação criminalizante dos fenômenos; logo, não existem fenômenos típicos, antijurídicos ou culpáveis, mas somente uma interpretação tipificante, antijuridicizante e culpabilizante dos fenômenos." (Paulo Queiroz, A propósito do conceito definitorial de crime In Boletim IBCCRIM, São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 224, p. 15, jul., 2011)
            Assim, qualquer ação humana pode ser considerada crime, se aprovada pelo legislativo (poder). Por isso, que postar músicas na internet pode dar cadeia. Por isso que a polícia pode fazer atraque em que atrapalhar a venda da rede de supermercados por causa de uma aglomeração urbana (Porto Alegre, Rua Lima e Silva, domingos). Por isso que a polícia proíbe uma bandeira no estádio (Estádio Olímpico do Grêmio ou estado de São Paulo).
                A “última ratio” que o Direito penal vem buscando, na verdade, é fazer com que os cidadão sejam tão atados a uma estrutura ordenada de vida (ônibus lotado/trabalhar/comprar/TV/dormir) que seja impossível qualquer tipo de mudança do poder. E qualquer ameça a esta estrutura ordenada é considerada uma ameaça a um bem jurídico qualquer e, logo, há uma proíbição. Exemplos? São muitos. Trago dois.
                O primeiro é dentro do meu campinho: Futebol. O que querem os poderosos com o futebol e com o torcedor? Qual a estrutura ordenada almejada por eles? Que consumam o esporte na mídia, nos grandes materiais esportivos e que paguem caro por ingressos. É isso. Analisem a diferença de um estádio de futebol na década de 90 e hoje. A ordem é a lei onde a regra ali deveria ser o extravaso, a emoção, tudo ou nada, pois o futebol é a representação da vida. O  primeiro bem jurídico que inventaram foi a segurança dos torcedores. Os 90 mil (Grêmio x Ponte Preta, semi-final do brasileirão de 96) que cabiam no Olímpico viraram 45 mil. Acho aceitável essa medida. As coisas começaram a se complicar quando começaram a defender o conforto de quem não pediu conforto: acabaram com a geral do Maraca, com a Coréia do Beira-Rio (invejava mais que o Leandro Damião)... Depois, chegaram as câmeras. The Big Brother is present, baby. Por fim, nos levaram o álcool. Por quê? Qual o bem jurídico que está por trás disso? Alcool é legalizado em qualquer lugar, menos futebol. E, de novo, temos a ordem (dos coitados, né, porque no camarote dos poderosos temos uísque de barbada). A baboseira da segurança (nenhuma destas medidas combate à violência nos estádios, porque não buscam a raiz desta, que é polícia x torcida, em sua maioria dos casos) não se sustenta. O que querem, em realidade, é que ocorra (já ocorreu) uma elitização do futebol. Ingressos mais caros, maior consumo, mais pay per view vendido, é isso. Quando tu tira das camadas mais baixas o direito de ir ao estádio e passa para classes de maior poder aquisitivo, o consumo aumenta, pois o estádio apaixona qualquer ser humano, até mesmo os apaixonados pela ordem máxima. Quanto maior a ordem, mais elitista o esporte (tênis, golfe...). E, assim, os poderosos usaram o Direito para, em nome da segurança, mas com outros fins, buscar uma maior acumulação de poder através do consumo (que está dentro daquela estrutura ordenada de vida a ser seguida pelo “homem médio” numa democracia)
                O Direito também age como repressão daqueles que contestam este poder instituído. Um protesto aceito é aquele que não tem representatividade. Quando este tem repercurssão, a repressão (autorizada pelo Direito) começa. O exemplo mais patético que achei ocorreu em Nova York. Pessoas decidiram ocupar Wall Street para protestar contra o sistema econômico falido. A polícia nova iorquina prendeu pessoas, pois há uma lei de 1845 (!!!!!!!!!!!!!!!) que proíbe a utilização de máscaras por multidões. Gostaria de saber o bem jurídico defendido aqui. Não há teoria penal que justifique tal absurdo. De tão absurdo, os Simpsons (que retrata a realidade de maneira exagerada) tem um episódio que ocorre algo parecido: pena de arremesso por catapulta para quem vende álcool. No episódio, contudo, os cidadãos se deram conta do absurdo da lei e rechaçaram a punição. A realidade é pior. Isso é aceito.
                Portanto, quando a democracia falha dessa maneira, a culpa é sim do Direito e do modo com que ele é usado. Por isso, a orientação daquilo que deveria ser crime (se é que alguma conduta é merecedoura de punição estatal tão violenta) não estar apenas na doutrina, mas na legislação. Não sou grande amante das formalidades, mas creio que esta é a melhor maneira de garantir que a abusividade em nome da ordem seja cometida. Por exemplo: a polícia não tem qualquer tipo de restrição nas suas ações autoritária, que não o abstrato conceito de “abuso de autoridade”. O Direito não precisa ser de todo odiado, mas ele deve buscar seus verdadeiros fins, pois quando isto não é feito, não está se fazendo Direito, mas sim uma aberração inventada por poderosos.


Um comentário: