segunda-feira, 28 de novembro de 2011

As ruas de um porto não muito alegre


   Há muito tempo que ando, nas ruas de um porto não muito alegre, diz a música de Elaine Geisser. A música é antiga e é considerada como um hino para a capital. Quem não imagina o ex-prefeito (eleito para o mandato atualmente exercido por Fortunatti) Fogaça cantando ela nos seus tempos mais esquerdistas que o pragmatismo atual, pauta do PMDB e do seu aliado mais populista, o PDT.
   Em que pese o espírito musical do nosso ex-prefeito e a paixão do atual por Porto Alegre com dezenas de campanhas para o cidadão curtir a cidade, a atual gestão vem criando uma espécie de toque de recolher recorrente. Seguindo aquilo que foi feito com a Goethe, a atual gestão, juntamente com a Brigada Militar, vem impondo aos amantes da noite (vistos com maus olhos pelos cidadãos de bem­) uma expulsão das ruas da capital no período da madrugada.
   Primeiramente, esta expulsão começou com a repressão na Av. Independência com o policiamento ostensivo da Brigada Militar (para aqueles que não sabem, o policiamento ostensivo tem como fundamento repreender algum tipo de atividade em determinado local, no caso, a própria ocupação das ruas por jovens, velhos, pobres, ricos). Fechada a conhecida “sinuca” da independência e fazendo rondas no Bambus, as coisas na Independência estão mais calmas. O motivo, contudo, não é porque se descobriu que os jovens não estavam fazendo, em realidade, nada demais. O problema é que a Zero Hora, que não pauta apenas outros veículos de imprensa, mas também os atos de nossos gestores administrativos, resolveu fazer uma denúncia tenebrosa. Segue parte:
Ao entardecer, jovens migram em bandos desde o Parque da Redenção, ponto de encontro, até a Lima e Silva. Famílias se trancam em casa, donos de bares e restaurantes fecham as portas. (04/04/11, ZH)
  Notem a força lingüística deste pequeno trecho, tratando grupos de jovens como bandos (não lembra as hordas de bárbaros prestes a invadir Roma?). As pobres famílias têm que se trancar em casa. O comércio fecha as portas. Agora me recordo das cenas de faroeste quando o bando do mal invade a cidade e as cenas começam com as caras de pavor da população fechando tudo, amedrontados.  Pois bem, assim foram descritos os jovens que ocupam a Rua da Lima e Silva. Por certo, alguns exageros podem ser cometidos. Pergunto: essa é abordagem correta do problema?
  Muitos podem apenas dizer que isso foi mais uma reportagem tendenciosa da ZH, o que ocorre todos os dias. Problema é que a administração da cidade resolveu tomar ao pé da letra muitas coisas que foram ditas ali e transformou a Cidade Baixa na prioridade número um. Objetivo “bem moçizar” o bairro. Basta de bebedeiras! Basta de badernas! 
  Para tanto, fizeram intensas fiscalizações com dezenas de carros da Smic, blitz da Brigada (policiamento ostensivo strikes back) e da EPTC (quer algo que afaste mais motorista que a EPTC?). Várias dezenas de bares foram fechadas. Os que não foram, estão submetidas a regras de enclausurar os clientes a partir das 23:30  (de qualquer dia). A partir desse horário, portas fechadas. Ninguém entra e, quem sair, não volta. Esqueceu, nosso prefeito, todavia, alguns pontos antes de começar esta guerra:
1.       Não querendo soar meio Ackimin, mas não custa lembrar ao prefeito que vivemos em uma democracia pluralista. Não apenas de pessoas decentes que assistem à Zorra Total e vão dormir para não perder o Auto-Esporte é constituída uma sociedade. Por mais que estes fossem uma maioria, não apenas de políticas para estes se pauta uma administração. Há uma imensa parcela da população que demanda viver a noite. Aproveitar dos seus prazeres inumeramente recordados por poetas e músicos. Toda cidade necessita de um local com bares e locais para diversão, isso se chama qualidade de vida além da idéia de apenas trabalho diário. É como uma cidade sem parques (vide guias de turismo e suas especificações). A Cidade Baixa era o local mais democrático para a noite porto alegrense: cervejas baratas ou caras, rock ou pagode, Xis ou Pizza. Lá, a população vivia a noite (sem muitas preocupações diante do intenso movimento) e a aproveitava celebrando a diferença. Nos parece que essa diferença hoje foi esquecida pela atual gestão. Obrigar os cidadãos a voltarem para suas casas às 23 30 porque outros querem dormir não faz sentido algum, pois estes podem querer dormir até mais tarde e os que dormem cedinho os acordam: assim é a vida em sociedade.
2.      Por obvio, locais de comércio e serviço devem estar regularizados junto à prefeitura para funcionar (seria um contra-senso da minha parte invocar a idéia de democracia apenas para um lado). Por isso, bares que não estavam devidamente regularizados deveriam fazê-lo. Ocorre, no entanto, que faltou razoabilidade por parte da prefeitura ao fechar bares e multá-los de maneira surpreendente, sem qualquer tipo de campanha para regularização. Diriam os defensores da medida que a prefeitura só cumpriu a lei. Suponhamos correta tal afirmativa. Cabe perguntar, contudo, se havia uma expectativa razoável que isto ocorresse? O problema era claro a todos havia mais de década e o poder público consentiu tacitamente com a situação, ou seja, não fez nada.  E, de uma hora pra outra, a Smic bate na porta do Boteco do Zé e fecha a porra toda. Isso tá correto? Imagina a Polícia voltasse a prender quem fosse desempregado e quem não estuda pelo crime de vagabundagem? Acharias isso comum? Pois bem, isso ainda é crime no Brasil. Claro que uma tipificação penal se difere muito de uma sanção meramente administrativa. O que tentei mostrar é a necessidade de ter se aplicado a razoabilidade no caso em questão, diante da clara expectativa razoável que tinham os donos de bares de que a sua situação era aceita pelo Poder Público. Olhe o exemplo do camelódromo: este foi construído em um período de tempo regular e todos aqueles que comerciavam informalmente na praça XV sabiam que, mais cedo ou mais tarde, seriam retirados do local, ainda que muitos anos ali presentes. Não ocorreu, contudo, uma retirada de todas as barracas na calada da noite de uma hora para outra.
3.      Mas e o direito dos moradores? Como ficam os coitados que tem conviver com tamanha baderna. Primeiro, cabe dizer que aqui ocorreu mais um caso de exagero. A maioria dos bares fechados não causava transtorno algum para os moradores, já que possuíam musica ambiente em volume baixo ou possuíam mesinhas na calçada onde as pessoas bebiam e fumava tranquilamente (desafio alguém a não se apaixonar por uma cidade com mesinhas na calçada, ainda mais postadas em uma rua como a Republica). Superada a idéia de baderna geral que foi feita da Cidade Baixa, podemos pular para outros pontos. Há mais de década a Cidade Baixa era considerada o reduto dos boêmios da cidade. A Rua João Alfredo foi, inclusive, reformada recentemente por este motivo por uma marca de tintas. De fato, existem moradores mais antigos que bares no local. Mas, gostaria de lembrar, que muitos deles já foram substituídos por estudantes ávidos por morar no bairro. Foi justamente essa fama que fez a Cidade Baixa ter um incrível aumento no preço de seus imóveis (na venda e no aluguel). Para constatar tal fato, basta uma breve pesquisa em sites de imobiliárias, fazendo uma comparação entre a Cidade Baixa e o bairro Santana (igualmente distantes do Centro) para que se constate a supervalorazição do primeiro em relação ao segundo. Por isso, digo que as famílias não estão presas dentro de casa. A uma porque não há o que temer. A duas porque elas podem simplesmente se mudar, diante da valorização do seu imóvel por algo que eles odeiam e outros amam. Um bairro é assim: com defeitos e com qualidades. E tudo isso muda ao longo dos anos. O Bom Fim já foi um bairro só de judeus. Hoje é um bairro de estudantes e judeus de mais idade. A Av. Carlos Gomes já foi só de mansões, hoje é dominadas de altos prédios. Ou nos adaptamos ou nos mudamos. A Cidade Baixa representou por muitos anos um local de celebração, de aproveitar a vida, de conhecer gente nova. Mudar tudo isso, na marra, não é a coisa mais sensata a se fazer.

Muito provável que, aqueles que não convenci, ainda crêem no exagero de alguns como principal argumento para tudo que aconteceu na Cidade Baixa ao longo das últimas semanas. Triste pensar que algumas pessoas ainda crêem que medidas repressivas e destruidoras sejam a melhor maneira de resolver problemas pontuais, tendo em vista que a maioria dos freqüentadores do bairro eram apenas aproveitadores da noite. Tais medidas trouxeram um clima ruim, de fim de festa para o bairro, fazendo com que os que andam nas ruas se sintam com medo pelo baixo movimento. E, ao contrário do que se esperava, não há mais famílias nas ruas do bairro ultimamente.


Por fim, cabe recordar que nem todos aproveitam a cidade de maneira igual. Nem todos gostam de ficar em casa aos sábados. Nem todos gostam ou tem dinheiro para freqüentar a badalada calçada da fama. É por isso que existem lugares democráticos como a Cidade Baixa. Para pessoas que gostam de curtir a cidade de uma maneira diferente, ocupando suas ruas, celebrando. Afinal, alguém imaginaria Sinatra celebrando uma cidade que ém imaginaria Sinatra celebrando uma cidade que always sleeps?

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